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Neste capítulo estudaremos

“Tirar um retrato”: essa expressão é usada, frequentemente, como sinônimo do ato fotográfico. De fato, o retrato é o mais popular entre todos os gêneros de fotografia.
T1. Etimologia
O termo retrato deriva do verbo latino retrahere, que significa copiar. Está ligado à ideia de mimese, à representação de uma figura individual ou de um grupo elaborada a partir de modelo vivo, documentos, fotografias, ou mesmo com o auxílio da memória.
T2. Breve histórico do retrato nas artes visuais
A tradição do retrato começou na antiguidade, com finalidades diversas: comemorativa, religiosa ou funerária, e restrita à representação de pessoas muito importantes. No Antigo Egito, apenas o faraó e sua família eram retratados; na Grécia, moedas eram cunhadas com o retrato dos governantes e entre os romanos retratos eram utilizados para cultuar os antepassados.
Mas foi só a partir do século XIV – quando passou a ocupar lugar destacado na arte europeia – que o retrato se tornou um gênero autônomo nas artes visuais, atravessando diferentes escolas e estilos artísticos.
Na Idade Média quase não se pintavam retratos: o foco estava em Deus. A partir da Renascença, o homem torna-se o centro das atenções e a representação do divino dá lugar ao interesse pela individualidade, estimulando a difusão do retrato.
A ênfase na individualidade se reflete também na questão da autoria: se antes o trabalho artístico era visto como algo menor, na Renascença os artistas voltam a assinar suas obras, sedimentando a noção do artista intelectual, que vai ganhando importância na sociedade.
Figura 25. Retrato funerário de um jovem do Egito romano.
Fonte: https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/d/de/Fayum02.jpg.
T2. Breve histórico do retrato na fotografia
Não era muito fácil fazer retratos em daguerreótipo, porque os tempos de exposição eram muito longos. Para ajudar os modelos a permanecerem imóveis, eram usados desconfortáveis “aparelhos de pose” para apoiar a cabeça e fixar o corpo durante as sessões. Nessa época, as condições fotográficas assemelhavam-se muito às da pintura:
O sujeito permanecia em pose, imóvel e exposto à luz natural (no início, nem sequer existia iluminação artificial), durante muito tempo. (...). as personagens têm sempre uma expressão muito séria e interiorizada, devido à quantidade excessiva de tempo de exposição. Muitas vezes em pose frontal, como busto, os retratados olham para o fotógrafo e, portanto, para o espectador. Esta frontalidade implica, quase sempre, um grande envolvimento psicológico, mesmo quando estes retratos não têm uma intenção artística. (BASTOS, 2014)
Figura 26. Retrato em daguerreótipo do século XIX.
Fonte: https://monovisions.com/wp-content/uploads/2015/06/vintage-daguerreotype-portraits-from-xix-century-1844-1860-12.jpg.
Em 1854, o francês André Disdéri patenteou um sistema para tirar diversos retratos em uma única chapa de vidro, que era usada como negativo: as primeiras quatro fotos eram expostas, a chapa se deslocava e permitia a exposição das outras quatro. Impressas, geralmente, em albumina (substância fotossensível retirada da clara do ovo), as pequenas fotografias – no tamanho de 9,5 x 6 cm e montada sobre um cartão rígido – tornaram-se mania mundial a partir de 1859, quando Napoleão III, ao conduzir suas tropas para fora de Paris para lutar contra os austríacos, deteve-se à porta do estúdio de Disderi para fazer um retrato múltiplo. No dia seguinte, já havia filas na porta do ateliê do fotógrafo. Batizado de carte de visite, o invento permitiu a produção em massa de retratos fotográficos.
O entusiasmo em torno desses retratos era enorme e o sucesso do luxuoso ateliê de Disdéri, reputado, na década de 1860, como o fotógrafo mais rico do mundo, foi descrito por um viajante alemão como o verdadeiro templo da fotografia. Ainda, segundo esse relato, Disdéri vendia “todos os dias de 3 a 4.000 francos de retratos e empregava 90 pessoas que realizavam mais de duas mil fotografias por dia. (WANDERLEY, 2016)
Figura 27. Câmera fotográfica formato carte de visite 1854.
Fonte: https://p1.liveauctioneers.com/364/9486/1971410_1_x.jpg?auto=webp&format=pjpg&version=1&width=512.
Figura 28. Cartes de visite, século XIX.
Fonte: http://1.bp.blogspot.com/-_WRLrogNRgI/VgGyn6C4sEI/AAAAAAAACD8/ShC-OcMDIUE/s1600/cdv_group.jpg.
Precursor do Facebook, Instagram e outras mídias sociais, o carte de visite deu origem a outro modismo: os álbuns de fotografia, estimulando, também, o surgimento de uma “cultura de celebridade”: imagens de atrizes, escritores e políticos eram colecionadas da mesma forma que, agora, são acompanhados nas redes sociais.
Você colecionava seus amigos e conhecidos em álbuns de fotos (Tumblrs encadernados). (...) Para a maioria, as poses são padronizadas, mas olhe mais de perto e você verá esforços tímidos de autoexpressão: a inclinação da cabeça, a postura de lado, a escolha de roupas. Alguns posaram com seus cônjuges, alguns com seus animais de estimação e, de vez em quando, você encontra algo muito mais parecido com uma atualização de status, o sinal de alguém que realmente entendeu o gênero e suas possibilidades futuras. (MESCH, 2016)
Na virada do século, o americano George Eastman muda, novamente, o rumo da história da fotografia, criando a primeira câmera portátil reutilizável, popularizando a fotografia (que antes era privilégio de poucos) entre amadores.Batizada de Brownie, a pequena câmera de papelão vinha carregada com um filme fotográfico – outra invenção de Eastman – dispensando a complicada manipulação de chapas do processo anterior.
Para tirar um “instantâneo”, tudo o que se precisava fazer era colocar um cartucho de filme, fechar a tampa, segurar a câmera na altura da cintura, mirar pelo visor no topo e girar um botão. Em seus anúncios, a Kodak dizia que a câmera era “tão simples que pode ser facilmente operada por qualquer estudante ou menina”. A revelação era rápida e prática, bastava entregar a câmera a uma loja da Kodak e as fotografias eram reveladas, entregues montadas em papel cartão com a câmera era recarregada com um novo rolo de filme. Apenas no primeiro ano após o lançamento da primeira Brownie, a Kodak vendeu mais de 250 mil câmeras. Durante 12 anos, Eastman não cessou de reduzir o preço de suas máquinas, nem de aperfeiçoá-las.
Figura 29. Anúncio da câmera Brownie, da Kodak.
Fonte: http://memographer.com/wp-content/uploads/2012/01/eastman-kodak-ad-17.jpg.
Além de democratizar a fotografia, permitindo que qualquer pessoal tomasse suas próprias imagens, as Brownies trouxeram uma nova maneira de representar o indivíduo na fotografia: o instantâneo fotográfico.
Esses avanços técnicos, mais precisamente a questão da instantaneidade, causaram certo alvoroço, pois mais rápido que um piscar de olhos, o fotógrafo poderia captar expressões inesperadas, denunciar atos, muitas vezes sem que a pessoa fotografada percebesse. A partir desse momento, o fotógrafo passou a exercitar ainda mais seu cérebro antes de dar um clique, exigindo que seu olhar fosse mais apurado evitando perder momentos que expressassem emoções inusitadas, valorizando assim sua profissão diante de qualquer pessoa comum que tivesse uma câmera. (PERBONI, 2017)
T2. Definição de retrato fotográfico
Tradicionalmente, um retrato fotográfico é definido como uma fotografia de um sujeito (pessoa ou grupo de pessoas) em que a face – traços e expressões faciais – predomina sobre outros aspectos da imagem (corpo e fundo/cenário). Mas essa descrição não abarca todas as possiblidades desse gênero fotográfico; um exemplo são os retratos sem rosto, que podem ter tanto impacto quanto imagens que apresentam expressões faciais fortes.
Buscando uma definição mais aberta, poderíamos dizer que “fazer um retrato” é expressar o conceito de uma pessoa; nesse sentido, ele poderia ser até a imagem da ausência de uma pessoa, concentrando-se em seus pertences ou no ambiente.
Richard Avedon – um dos mais célebres retratistas de todos os tempos, que também se destacou na fotografia de moda da segunda metade do século XX – criou uma definição interessante e abrangente do gênero, tendo como critério o consentimento de quem está sendo fotografado: “Um retrato fotográfico é a imagem de alguém que sabe que está sendo fotografado, e o que ele faz com esse conhecimento faz parte da fotografia tanto quanto o que está vestindo ou sua aparência”.
T2. Gêneros de retrato
T3. Retrato tradicional
O rosto predomina sobre outros elementos da composição. O objetivo é deste tipo de retrato é a representação visual de uma pessoa. Aqui, o sujeito está, quase sempre, olhando diretamente para a câmera.
Referências: Yusuf Karsh, Steve McCurry.
Figura 30. Homem em Gulmarg, Kashmir, foto de Steve McCurry.
Fonte: https://stevemccurry.com/sites/default/files/KASHMIR-10061NF3_1.jpg.
Figura 31. Retrato do Primeiro Ministro inglês Winston Churchill, foto de Yusuf Karsh.
Fonte: https://karsh.org/wordpress/wp-content/uploads/2016/10/Yousuf-Karsh-Winston-Churchill-1941-1557x1960.jpg.
T3. Retrato casual ou espontâneo
O fotógrafo tem pouco ou nenhum controle da situação. É feito com câmeras de pequeno formato (mirrorless, DSLR ou compactas) ou câmeras de celular, que por serem discretas e fáceis de operar permitem mais espontaneidade do retratado.
Referências: Cartier Bresson, Nan Goldin.
Figura 32. Cookie, foto de Nan Goldin.
Fonte: https://americansuburbx.com/wp-content/uploads/2012/04/nan-goldin-4-Custom-3.jpg.
T3. Retrato de glamour
Enfatizam-se as características sensuais/românticas do fotografado. Maquiagem, figurino e cenário são elementos importantes para essa construção. Revistas de celebridades – como as brasileiras Caras e Quem – adoram esse tipo de retrato.
Referência: Annie Leibovitz.
Figura 33. Retrato de glamour. Foto de Daria Rem.
Fonte: https://www.pexels.com/photo/woman-sitting-on-red-lounger-2846544/.
T3. Retrato ambientado
Refere-se a uma imagem em que o retratado é fotografado em seu ambiente natural - geralmente, seu ambiente de trabalho - e este nos ajuda a identificar e entender a pessoa.
Referências: Arnold Newman.
Figura 34. Im Pei, arquiteto chinês, 1967. Foto de Arnold Newman.
Fonte: https://mymodernmet.com/wp/wp-content/uploads/archive/ZnNvECbDv-OJudF67SyJ_1082051247.jpeg.
T3. Retrato surrealista
Utiliza truques e efeitos especiais na construção da imagem, mexendo na fronteira entre realidade e fantasia para fomentar interpretações além de nossas percepções habituais. São imagens estranhas, irracionais, oníricas, desorientadoras.
Referência: Philippe Halsman.
Figura 35. o pintor Salvador Dali. foto de Philippe Halsman.
Fonte: https://content.magnumphotos.com/wp-content/uploads/2016/04/cortex/par38616-overlay.jpg.