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Panorama Nacional sobre Regulamentação de Segurança de Barragens
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Panorama Nacional sobre Regulamentação de Segurança de Barragens

No Brasil, o governo federal verificou a necessidade de uma maior participação e preocupação com o tema, principalmente nas últimas décadas (NEVES, 2018, p. 9).

As barragens são estruturas importantes para o desenvolvimento de uma sociedade, podendo contribuir para (NEVES, 2018, p. 9):

»     armazenamento de água, que pode ser utilizado para múltiplos usos;

»     regularização das vazões de cursos d’água;

»     geração de energia elétrica;

»     retenção de resíduos minerais e/ou industriais.

Apesar destes benefícios e assim como qualquer outra construção, as barragens são estruturas que podem proporcionar riscos de acidentes para uma determinada sociedade. Por serem estruturas de grande porte, os resultados de eventuais acidentes podem causar problemas sociais e econômicos de elevada grandeza, chegando até mesmo à possibilidade de perdas de vidas humanas. Assim, as medidas estabelecidas na legislação, se implementadas criteriosamente e complementadas com ações de defesa civil, minimizam a probabilidade de ocorrência de acidentes. Portanto, como podemos ver, a legislação é necessária e fundamental para evitar tais ocorrências.

Se analisarmos o escopo das leis jurídicas e determinações institucionais que se referem à gestão dos recursos hídricos em território nacional, veremos que, antes da publicação da Lei n. 12.334/2010, não se tinha uma diretriz ou determinação bem definida das atribuições e responsabilidades pela fiscalização dos status das barragens, ou seja, da sua segurança. Em casos de acidentes, alguns órgãos ambientais acabavam lidando com o problema de forma isolada. A identificação de uma falta de articulação do poder público para tratar do assunto também era recorrente (NEVES, 2018, p. 9).

Os primeiros movimentos ocorreram no Estado de São Paulo, em 1977, onde foi emitido o Decreto n. 10.752, que tratava do tema Segurança de Barragens no estado, recomendando auditorias técnicas permanentes. Mesmo tendo sido motivado pelo galgamento em cascata ocorrido com as barragens de Euclides da Cunha e Armando de Salles Oliveira, por falta de regulamentação, este decreto nunca foi implementado (NEVES, 2018, p. 9).

O que se verifica é que são estabelecidos entre os empreendedores alguns procedimentos relacionados ao controle da segurança das barragens, mas que estas medidas adotadas em alguns setores são ímpares, como, por exemplo, os setores de geração de energia elétrica e de mineração, ou seja, normalmente as grandes empresas. Estes empreendedores buscam implantar nas filiais nacionais os mesmos padrões de qualidade operacionais e de segurança adotados internacionalmente (NEVES, 2018, p. 9).

Se analisarmos cronologicamente o desenvolvimento dos trabalhos referentes à Segurança de Barragens, até a publicação da Lei 12.334/2010, obtemos o seguinte (NEVES, 2018, p. 10):

Os motivos que direcionaram os esforços para a elaboração e aprovação da Lei n. 12.334/2010 foram diversos, como a identificação de inconsistências a nível organizacional que resultavam em uma condição de abandono geral de diversas barragens nacionais, bem como um crescente aumento na fragilidade de projetos, construções e operações de estruturas.

Assim, no cenário nacional de segurança de barragens, a Lei n. 12.334, de 20 de setembro de 2010, publicada no Diário Oficial da União (DOU) em 21 de setembro de 2010, estabelece um novo marco legal para o setor.

Esta lei estabelece, mais especificamente, a Política Nacional de Segurança de Barragens (PNSB), que abrange as estruturas com a finalidade de acumulação de água para quaisquer usos, a disposição final ou temporária de rejeitos e a acumulação de resíduos industriais. No mesmo ato legal, é criado ainda o Sistema Nacional de Informações sobre Segurança de Barragens (SNISB), composto de registros informatizados das condições de segurança das barragens em todo o território nacional, garantindo o acesso à informação para toda a sociedade (ANA, 2020, p. 41)

A PNSB visa a garantir que os padrões de segurança sejam cumpridos, bem como estabelecer uma regulamentação adequada, criando uma rotina de monitoramento e acompanhamento das tratativas de segurança implementadas pelos empreendedores de barragens. O principal objetivo, ainda, é diminuir a probabilidade de ocorrência de acidentes e suas consequências posteriores, que podem ser elevadas ou mesmo incalculáveis, principalmente no caso de atingimento de população ou moradores localizados a jusante das barragens.

De forma mais prática, na distribuição de responsabilidades entre os órgãos fiscalizadores, a Agência Nacional de Águas (ANA) ficou responsável por, além da fiscalização da segurança das barragens de usos múltiplos localizadas em corpos d’água sob domínio da união, articular a implementação da PNSB entre os demais órgãos de fiscalização. A ANA é responsável, ainda, por organizar, implantar e gerir o SNISB e, anualmente, coordenar e emitir o Relatório de Segurança de Barragens (RSB). O RSB é, por sua vez, encaminhado ao Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH), os qual, após análise e avaliação, encaminha este para o Congresso Nacional. Vale ressaltar que o papel desempenhado pela ANA, na intermediação das informações e tratativas entre os órgãos fiscalizadores é um dos motivos de sucesso para a PNSB (NEVES, 2018, p. 7).

O RSB, como parte de um programa de educação e comunicação sobre segurança de barragens, ainda tem a função de conscientizar a sociedade da importância do tema.

A PNSB define uma gestão e fiscalização descentralizada, distribuída entre diversos órgãos fiscalizadores, seguindo uma lógica pré-determinada. Quando a utilização principal da barragem for a geração de energia hidrelétrica, o órgão fiscalizador será aquele que concedeu ou autorizou o uso deste potencial hidráulico. Caso a utilização principal da barragem seja a acumulação de água, retirando-se os casos de fins de aproveitamento hidrelétrico, o órgão fiscalizador será aquele que outorgou o direito de uso dos recursos hídricos, considerando sempre o domínio do corpo hídrico. Outra possibilidade é quando a utilização principal da barragem for a disposição final ou temporária de rejeitos provenientes dos processos da indústria da mineração, sendo nestes casos o órgão fiscalizador aquele outorgante dos direitos minerários. E, por fim, quando a utilização principal da barragem for o depósito ou armazenamento de resíduos industriais, o órgão fiscalizador será aquele que forneceu a licença ambiental de instalação e operação (ANA, 2020, p. 40).

Para entendermos de outra forma, os órgãos fiscalizadores, segundo o PNSB, são aqueles que emitem o documento que autoriza a instalação da barragem, podendo ser outorga de direito de uso dos recursos hídricos, autorização ou concessão do potencial hidráulico, outorga de direitos minerários ou licença ambiental de operação ou instalação (ANA, 2020, p. 41). Assim, quando as barragens tiverem a finalidade de geração de energia hidrelétrica, serão fiscalizadas pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Se tiverem a finalidade de contenção de rejeitos de mineração, serão fiscalizadas pela Agência Nacional de Mineração (ANM). Em 2019, um novo órgão fiscalizador foi inserido pelo governo federal: a Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), que ficou responsável pela outorga de direitos minerários de barragens com rejeitos nucleares.

Mesmo visando a uma abrangência do assunto, a PNSB não é aplicável a todas as barragens. As estruturas inseridas na PNSB devem apresentar pelo menos uma das seguintes características, conforme Lei 12.334/2010 (BRASIL, 2010, p. 1):

»     altura do maciço, contada do ponto mais baixo da fundação à crista, maior ou igual a 15 m (quinze metros);

»     capacidade total do reservatório maior ou igual a 3.000.000 m³ (três milhões de metros cúbicos);

»     reservatório que contenha resíduos perigosos conforme normas técnicas aplicáveis;

categoria de dano potencial associado, médio ou alto, em termos econômicos, sociais, ambientais ou de perda de vidas humanas, conforme definido no art. 6º. 

As barragens que não atenderem a nenhum dos critérios acima citados não precisam se submeter à PNSB. De qualquer forma, devido aos riscos envolvidos com estas estruturas, os empreendedores destas barragens devem implementar rotinas e ações para garantir a segurança das estruturas em operação (ANA, 2020, p. 39).

Para que uma lei ou regulamento seja efetivo e entendido pelos agentes, pelos empreendedores e pelos demais envolvidos, bem como atenda as normas técnicas legais, é necessário definir de forma clara os conceitos que serão utilizados na legislação publicada. Desta forma, a Lei 12.334/2010 traz as definições técnicas de estruturas como: barragem, reservatório, segurança de barragem, empreendedor, órgão fiscalizador, gestão de risco e dano potencial associado.

Sugestão de estudo complementar

Para saber com mais detalhes e entender melhor as diretrizes legais sobre as definições técnicas utilizadas na PNSB, consulte o artigo 2º da Lei 12.334/2010.

Em relação ao Dano Potencial Associado (DPA), deve-se utilizar os critérios de classificação do quadro apresentado na Resolução CNRH n. 143/2012 ou nos quadros de classificação especificados nas regulamentações dos órgãos fiscalizadores, como a ANEEL e a ANM, que estudaremos mais adiante. Segundo a Lei 12.334/2010, no Art. 7º, a classificação do DPA da barragem em alto, médio ou baixo será feita de acordo com o potencial de perdas de vidas humanas de impactos econômicos, sociais e ambientais.

Assim como qualquer outra política governamental a nível federal, a PNSB também tem seus próprios objetivos e fundamentos, os quais motivaram sua criação. Pode-se dizer que o objetivo principal é mostrar o porquê da criação da Lei 12.334/2010, indicando o norte para o qual ela está seguindo. Com a PNSB, padrões de segurança foram estabelecidos, visando a reduzir a possibilidade de acidentes, por meio, ainda, da regulamentação de ações e padrões, centralizando as informações coletadas sobre segurança de barragens, facilitando a sua consulta e utilização. Isto contribuiu para fomentar a cultura de segurança no ambiente onde estas importantes estruturas estão construídas (NEVES, 2018, p. 13).

Desta forma, o texto da Lei 12.334/2010, no Capítulo II, art. 3º, estabelece que os objetivos da Política Nacional de Segurança de Barragens (PNSB) devem ser a garantia do cumprimento dos requisitos de segurança de barragens, visando a diminuir a possibilidade de sinistros e suas consequências. Outro propósito é regulamentar o que deve ser feito para garantir a segurança em diversos momentos, como na etapa de planejamento, elaboração de projetos, construção propriamente dita, primeiro enchimento do reservatório e primeiro vertimento, período operativo, desmobilização (ou desativação) e usos futuros de barragens – e isto ao longo de todo o território nacional. Um terceiro objetivo é fomentar o monitoramento e o acompanhamento das atividades de segurança adotadas pelos empreendedores (responsáveis pelas barragens). Ainda é objetivo da PNSB a criação de oportunidades para que se aumente o conjunto de barragens controladas pelo poder público, tendo como norte a fiscalização, instrução e correção das ações de segurança. Coletar informações que alimentem o banco de dados para o gerenciamento da segurança de barragens pelo poder público nas diferentes esferas, também é outro objetivo a ser atingido pela legislação. Outro item determinado é o de estabelecer conformidades de origem técnica, que possam permitir uma avaliação adequada dos parâmetros estabelecidos pelos entes públicos. Por fim, como meta mais genérica e com visão de longo prazo, criar a cultura da segurança de barragens e gerenciamento de riscos a todas as estruturas, visando sempre à redução de acidentes de graves consequências à população.

Para que esta política seja aplicada na prática, como em qualquer outro projeto, alguns agentes ou responsáveis devem ser nomeados objetivamente. E isto é feito por meio do art. 4º, item III, da Lei 12.334/2010, que expressa que o empreendedor é o responsável legal pela segurança da barragem, cabendo a ele o desenvolvimento das ações para garanti-la. Mas, como vimos nas regulamentações internacionais, a responsabilidade legal incumbida ao empreendedor é prática comum na maioria dos países.

ATENÇÃO

O art. 4º, item III, da Lei 12.334/2010 deve ser considerado com extrema importância, pois define claramente que o empreendedor é o principal responsável pela gestão da segurança de sua barragem.

Apesar de existirem os órgãos fiscalizadores, responsáveis por cada especialidade de barragem, que fiscalizarão o cumprimento e execução das ações propostas pelo empreendedor no Plano de Segurança de Barragens, a responsabilidade, no final, será exclusivamente dos empreendedores. O próprio artigo 4º da Lei 12.334/2010 reforça esta afirmativa, quando estabelece que o empreendedor deve conduzir as atividades necessárias para a garantia da segurança da barragem, pois este é o responsável perante a lei pela segurança das estruturas.

E quais são os instrumentos que a Política Nacional de Segurança de Barragens utiliza para o cumprimento da legislação? Podemos ver no art. 6º da Lei 12.334/2010 que os seguintes meios são estabelecidos (BRASIL, 2010, p. 3):

»     o sistema de classificação de barragens por categoria de risco e por dano potencial associado;

»     o Plano de Segurança de Barragem (PSB);

»     o Sistema Nacional de Informações sobre Segurança de Barragens (SNISB);

»     o Sistema Nacional de Informações sobre o Meio Ambiente (Sinima);

»     o Cadastro Técnico Federal de Atividades e Instrumentos de Defesa Ambiental;

»     o Cadastro Técnico Federal de Atividades Potencialmente Poluidoras ou Utilizadoras de Recursos Ambientais;

»     o Relatório de Segurança de Barragens.

O sistema de classificação, como veremos mais adiante em detalhes, estabelecido na Resolução CNRH n. 143/2012, cita que as barragens serão classificadas pelos seus respectivos agentes fiscalizadores, por categoria de risco (CRI), por dano potencial associado (DPA) e pelo seu volume. Estes itens têm como base critérios gerais descritos pelo CNRH, com a exceção da Aneel, que tem seus próprios critérios para o setor elétrico.

A CRI é classificada em alta, média ou baixa, tendo como base as características técnicas, o estado de conservação das estruturas e o atendimento ao Plano de Segurança de Barragens. Já o DPA da barragem é classificado em alto, médio ou baixo, sendo em função do potencial de perdas de vidas humanas e dos impactos econômicos, sociais e ambientais, como resultado de uma eventual ruptura da barragem.